terça-feira, 10 de dezembro de 2013

A PUREZA DO INSTINTO DOS ANIMAIS.

Um filhotinho de lobo perdido e adoentado acabou indo parar em uma fazenda, na qual foi adotado por uma mamãe ovelha que acabara de parir. A cena era linda e comovente: o lobinho era amamentado como se fosse uma das pequenas ovelhinhas.

Os donos da fazenda acharam o máximo, contavam para todos, postaram nas redes sociais e milhares de pessoas curtiram e compartilharam as fotos e vídeos da inusitada adoção. Inclusive, quando o lobo tinha apenas dois meses, o caso foi destaque na TV, em um desses programas de auditório dominicais.

Os meses passaram e, mesmo após as ovelhinhas terem deixado de mamar, a mamãe ovelha aguentou firme os afiados dentinhos do lobo durante surpreendentes seis meses... A ovelha superava a dor e o sofrimento em nome do seu instinto maternal.

Na esperança de conseguir voltar aos estúdios de TV e de fazer mais alguns trocados com a fama da mamãe ovelha e o lobinho, o dono da fazenda resolveu manter os animais juntos, ele não querida mudar a dieta do lobo com medo de uma alteração em seu dócil comportamento.

Entretanto, as tetas da mamãe ovelha ficaram na carne viva e o leite não mais satisfazia o lobinho, sua fome era insaciável. Logo, ele passou a mordiscar com cada vez mais sagacidade as esfoliadas tetas que passaram a sangrar.  Assim, o inevitável fato aconteceu e aconteceu justamente no dia que o fazendeiro saiu de viagem com toda família para passar o final de semana no litoral. O homem apenas se certificou de que não faltaria comida para a mamãe ovelha e partiu. Deixando-a trancada no celeiro como seu filhote adotivo.

No dia seguinte, o lobinho delirava no sabor do sangue que jorrava dos machucados das tetas de sua mãe adotiva. A ovelha passou a tentar se esquivar do canino, ela chegou a dar cabeçadas e coices no lobinho, mas isso só aguçava as investidas do filhote, que passou a morder outras partes do corpo da ovelha. Quando a mamãe adotiva finalmente se entregou, o lobinho se aproximou sorrateiro e sem hesitar pregou os dentes decepando duas tetas de uma só vez. O sangue jorrou e a ovelha, como suas escassas forças, saltou de dor enquanto o lobinho tentava se aproximar para continuar sua apetitosa refeição. O filhote continuou atacando sua mãe até machucá-la em diversos locais e impossibilitar seus movimentos.

No fim, a ovelha acabou perdendo os sentidos e caiu desacordada. Enfim o pequeno canino pode se deliciar com a macia carne das tetas e se saciou como nunca. Após estar mais que satisfeito, ele se deitou ao lado do cadáver já frio de sua querida mamãe ovelha.

No dia seguinte, atraídos pelo cheiro, uma alcateia se aproximou da fazenda e, ao se darem conta de que não havia pessoas no local, os lobos cavaram uma entrada por baixo da porta do celeiro. Como a carne da velha ovelha já estava entrando em estado de putrefação, eles saíram do celeiro em busca das demais ovelhas que estavam no curral. O lobinho, supostamente domesticado, os acompanhou e, incentivado por outros lobos do seu tamanho,   passou a atacar as ovelhas menores, ou seja, seus indefesos  irmãozinhos de criação.

Após o ataque, o lobinho acabou fugindo da fazenda e passou o resto dos seus dias junto à alcateia que se escondia nas matas ao redor da fazenda. Naquele ambiente selvagem o animal viveu com plenitude e para além do certo e do errado. Para além do bem e do mal. Para além de toda nossas noções de morais, apenas seguindo a pureza de seus instintos selvagens.

Por Leonardo Miranda
www.facebook.com/autorleonardomiranda

domingo, 8 de dezembro de 2013

Alguém quer um filhotinho?

_Por que tem tantos cachorros aqui? – perguntou a garotinha durante um passeio de fim de tarde com seus pais e seu irmãozinho pela Praça Henrique Vieira.

_Porque o governo não toma providências filhinha, é culpa da prefeitura. – respondeu instantaneamente o pai. Em seguida ele se voltou para sua esposa e continuou: _E olha que foi promessa de campanha acabar com essa vergonha. Olha aquele cachorro ali: está horrível! Realmente essa cachorrada na rua é uma das muitas vergonhas de Areado.

A esposa passou a mão na cabeça do filho caçula e comentou: _Promessa sempre tem, mas antes de preocupar com cachorros de rua a prefeitura deveria é olhar para a saúde. Agora só falta colocar cachorro na frente de gente.

Após passearem por algum tempo, sentaram-se em um barzinho para comer algo. A família deliciou duas porções, os adultos tomaram uma gelada e as crianças suco natural. A garotinha, de no máximo 10 anos, ficou o tempo todo jogando ossos e pedaços de salgadinhos para três cachorros de rua que espreitavam a família. Não demorou e chegou mais um, depois outro e logo havia sete cães a espera da caridade da menina. Mas o garçom, pela décima vez só naquele dia, espantou os animais:_Passa, passa, passa! – esbravejou já sem paciência e um dos cães acabou levando um chute.

Após o típico passeio de fim de domingo na praça central, a família areadense voltou para casa a tempo de assistir um pouco de TV. Assim que colocou o pé para dentro, a esposa reclamou: _ Nossa! Esses filhotes fedem na medida em que crescem. Deus nos livre! Precisamos dar logo esses bichinhos!

O marido, com um ar de aversão, olhou para o ninho onde Lassie cuidava de seus 12 filhotes e disse: _Falei para arrumarmos um macho, se fosse macho ele não voltaria para casa com o bucho cheio. Já é a terceira gravidez dessa cadela, quem aguenta isso? Sinceramente... Eu nem conheço mais gente para quem dar. Imagina: uma dúzia de vila latas. Da última vez já foi um sacrifício!

Lassie era uma cadela sem raça definida de grande porte, deveria ter uns cinco anos e, apesar de ser criada dentro de casa, sempre dava suas escapadinhas. A cachorra era o mimo da família, todos a amavam, contudo quando ela engravidava era sempre um grande problema: a mulher reclamava e sobrava para o marido dar um jeito. Da última vez ele precisou pedir até pelo amor de Deus para que três pessoas ficassem com os filhotes de Lassie. Ele não sabia o que faria com os animais que já passavam dos três meses e não havia nenhuma pessoa interessada. A única coisa certa era que o homem não estava inclinado a implorar. Sua mulher vivia estressada, ele não conseguia mais dormir, os vizinhos reclamavam todas as noites. Algo precisa ser feito.

Na manhã seguinte, a mulher acordou e ao não ver os filhotes no ninho, suspirou com alívio. Lassie estava tristonha... Quando a garotinha acordou e deu por falta dos cachorrinhos também imaginou o que poderia ter acontecido, entretanto ela foi tomada pela angústia e perguntou instintivamente: _Mamãe cadê os filhotinhos?

_Vamos, seu ônibus passa daqui a pouco, tome seu café! – a filha insistiu com a pergunta após retornar da escola, mas a mãe continuou desconversando.

Quando o pai chegou, no fim da tarde, a garotinha foi correndo perguntar: _Papai, cadê os filhotinhos?

_Eles estão na fazenda de um amigo, ele vai ajudar a encontrar quem os queria... Esquece isso filhinha... O que acha de darmos um passeio para tomarmos um sorvete hoje depois da janta? – disse o pai já olhando para esposa que entendeu a jogada e continuou: _Isso, está tão calor! Vamos tomar sorvete!

A menina bateu as mãos na mesa e disse: _Eu não quero ir, não vou! Não quero sorvete nenhum!

_Mas o que aconteceu minha linda? – indagou a mãe

_Agora a prefeitura não vai cuidar de outros filhotinhos da Lassie e eles também vão sofrer!

O pai, ainda na esperança de convencer a filha, disse em tom firme: _Você duvida de seu pai? Vamos querida, pare de drama! Os cachorrinhos estão todos em uma linda fazenda onde vão estar mais felizes que aqui... Querida para você não ficar triste hoje eu vou deixar você tomar quantas bolas de sorvete quiser, mas só hoje. Vamos?

A garotinha fechou ainda mais a cara e disse com voz de choro: _Mesmo assim eu não quero ir, não quero sorvete! Não quero nada. Os filhotinhos vão acabar na rua igual os outros. Ontem lá na praça... Aqueles cachorros... Eles também são filhos da Lassie, são da outra gravidez dela. Eu pensava que eles estavam com alguém... Eu não vou! Não quero ver os novos filhotinhos da Lassie feios e com fome.

Depois de alguns instantes, em tom de reflexão, o pai concluiu: _É... Parece que a culpa daquele tanto de cachorro na rua não é só da prefeitura... Vamos ter que levar a Lassie para um veterinário para castrá-la o quanto antes. Já deveríamos ter feito isso. – a esposa suspirou gesticulando em aprovação à conclusão do marido.

______ FIM______

OBS: a situação dos animais abandonados em diversas cidades não só do Estado, mas de todo o País, é alarmante. A absoluta ausência de políticas públicas voltadas para solucionar o problema só faz como que ele se agrave, revelando a despreocupação da maioria das autoridades. Como considero a desinformação da população como a grande culpada pelo crescente número de animais abandonados: fica a sugestão para todos que estão a fim de mudar essa triste realidade: COMPARTILHE CONSCIENTIZAÇÃO.

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Por Leonardo Miranda, jornalista
Publicado na edição do dia 30 de novembro de 2013 da Folha Areadense.